18 de jan. de 2013

O mito (não) esclarecido


Faz mais de 600 anos que Aurora dorme. O mato cresceu, seu mundo mudou, morreram todas as fadas e, sem explicação, permanece na Europa, intocada, uma jovem adormecida. Se havia um príncipe com o poder de quebrar a maldição, morreu no caminho.
Hoje, Aurora encontra-se despida de suas roupas e joias, removida de seu castelo e cama com dossel. Hoje Aurora é um experimento científico. Um algo que não vive e não morre, não desabrocha e nem apodrece, que precisa ser espetado, controlado, explicado. Mas a Ciência não penetra o mito e, mesmo que lhe raspem os cachos dourados para investigar seu cérebro, eles invariavelmente tornam a crescer. Aurora sonha, foi provado por uma máquina. Mas com o quê? Com quem?
Por centenas de anos, seu leito foi ponto turístico e pessoas de todo o mundo pagavam para vê-la dormir. Homens de todos os países colaram os lábios nos seus em um misto de adoração e sacrilégio. Mas Aurora dorme e não há lógica nem ciência que o explique. Ela é mais real do que postulados e teses.
Não há nada de especial em seu corpo e partes que lhe são desmembradas (como seu sangue, periodicamente coletado para exames) perecem como tudo. No entanto, o mito permanece intocado e Aurora dorme.
Sua enfermeira a ama e, com carinho, penteia seus cabelos e se pergunta quão bonito seria seu sorriso.

13/1/13

16 de jan. de 2013

Amour, je t'aime tant



Hoje me despeço de um dos homens mais corajosos que já conheci. Meu avô me ensinou a não ter medo dos opressores, a nunca deixar de lutar pelo que é justo e sempre amar as pessoas e a vida.
Foi uma das pessoas que mais me inspirou a ser quem sou hoje, com seu imenso bom humor, sua inteligência aguçada e seu gosto pelo Flamengo e por samba.
Nascido em 2 de março de 1929, lutou contra a ditadura civil-militar e, depois, para que seus crimes jamais fossem esquecidos ou perdoados, lutou para que a história dos povos da América Latina fosse contada sem farsas e, nas últimas semanas, lutou com a Morte. Dessa vez, ela venceu e tirou de nós um grande professor, um historiador meticuloso, meu avô.
É como se todas as forças tivessem sido arrancadas de mim e tudo o que consigo fazer é escrever, chorar e escutar jazz. A vida segue e eu sei que terei de seguir "apesar de", como sempre. Só não agora.

Até o infinito, Companheiro Aquino.

7 de jan. de 2013

Por que pessoas que não têm um gênero de preferência em seus relacionamentos amorosos/sexuais (como bissexuais e pansexuais) assustam tanto xs homofóbicxs? Porque, se existe a possibilidade de gostar de várias coisas ao mesmo tempo, a linha de diferenciação entre "nós" e "os outros" se mostra inexistente. E alguém pode fazer várias coisas, todas as coisas, coisas imprevistas, imprevisíveis. Porque significa que o desejo foge a normas e regulamentos vários.
Porque significa que elxs também podem se atrair por pessoas diferentes do que gostariam.

3 de jan. de 2013

Um dia sairemos às ruas. E haverá cheiro de chuva no ar. Haverá um frio na boca do estômago. Uma ansiedade do desconhecido.
Nós não estaremos com fome. Nem com frio. Nem com medo. Nós não "teremos" de trabalhar para viver e viver para trabalhar. Nós não teremos que ser protegidxs de ninguém mais.
E o mantra, agridoce em nossas bocas, virá como um sopro de vida: "Livres enfim."