17 de fev. de 2012

Sociedade Burra ou Sistema Torpe? (PARTE II)

Para completar, Matheus Bresolin, a fonte de quem meus amigos estão compartilhando a comovente história do professor Maurício Girardi, ainda fez um texto socialmente esclarecedor.
Em seu texto, ele usa como exemplo da degeneração de nossa sociedade o salário de Ronaldinho Gaúcho e o de Francisco Everardo Oliveira Silva. Curioso que ele escolheu dois homens que não se encaixam no padrão “brancos-classe média-de bem” e cujo trabalho é, ou foi, relacionado a fornecer prazer aos outros. Ronaldinho é jogador de futebol (e a soma citada no texto de Matheus é a conta final, acrescida do dinheiro dos patrocinadores, cujos lucros exorbitantes e sua aplicação Matheus sequer pensa em questionar) e Francisco Everardo foi, antes de ser democraticamente eleito como deputado federal (o mais votado do Brasil), um palhaço. O Tiririca.
Eu poderia entrar na questão do porquê suas profissões (e a de profissional do sexo e a de artista plástico e a de músico e todas as que dão prazer aos outros) são postas como menos importantes do que a do ilustre professor de física (uma matéria exata, que lida apenas com números, que não tem subjetividades, que serve para fazer coisas de homem como pontes e prédios –sim, estou sendo irônica em todas as colocações sobre a qualidade e a utilidade da Física), mas vou deixar vocês se questionarem sobre isso. Agora, na hora de se questionarem, se perguntem por que o trabalho anterior de Francisco é tão importante para a construção do seu status social que o trabalho atual que ele realiza como deputado não tem nenhuma importância para julgar o merecimento de sua cadeira na Câmara, na ótica de Matheus e daqueles que compartilham seu texto.
Depois, para defender o aumento salarial para professores de Ensino Médio, Matheus nos mostra a sua Bastilha, o símbolo de sua indignação: “Um funcionário da empresa Sadia (nada contra) ganha hoje o mesmo salário de um ‘ACT’ ou um professor iniciante, levando em consideração que, para trabalhar na empresa você precisa ter só o fundamental” (nota: só eu acho que esse “nada contra” dele é igual ao “até tenho amigos negros” que a gente ouve por aí?).
Como isso é possível?! Um senhor professor ganhando o mesmo que um funcionário graduado apenas no Ensino Fundamental?! Claro que não tem importância nenhuma dizer qual é o cargo desse funcionário hipotético, os riscos que ele corre em seu trabalho, sua carga horária, o tempo que fica de férias, a qualidade do seu ambiente de trabalho ou sua estabilidade no emprego! Não importa nada a respeito disso além de pontuar que é uma humilhação para um homem de bem, com diploma no ensino superior, ganhar o mesmo que um reles semi-analfabeto! É por isso que precisamos aumentar o salário dos professores, não para que eles comprem mais livros ou tenham estabilidade financeira para melhorar sua qualidade de vida, NÃO! É para corrigir essa aberração social que é a paridade de salários entre um Professor e um mero operário!
Aí o nosso amigo Matheus se aventura na deliciosa arte da ironia “propondo” uma mudança na grade horária das escolas. Uma grade horária que estivesse mais de acordo com os valores da nossa degenerada sociedade atual. O único comentário que tenho a fazer sobre isso é: só eu achei muito curioso que os três tipos musicais escolhidos por ele para colocar nas Aulas de Música no lugar da Mui Nobre Música Erudita sejam oriundos do “povão”?
Para fechar com chave de ouro (ou “clef d'or”, como diriam nossos apreciadores do que é bom no mundo), o autor fecha seu texto com uma tabelinha muito conhecida aqui nas bandas do Rio de Janeiro, que compara os salários de algumas categorias. A última categoria enumerada é a de Deputado Federal, que  existe “para FERRAR com a vida de todo mundo, encher o bolso de dinheiro e ainda gratificar os seus ‘bajuladores’ apaniguados naquela manobrinha conhecida do ‘por fora vazenildo’!” como todo mundo sabe (exceto pelo significado de “vazenildo” que nem eu nem o Priberam sabemos o que é).
É isso aí! Parlamentar é tudo farinha do mesmo saco mesmo! Então... então por que utilizar o Francisco (Tiririca) como exemplo do que há de pior? Por que não o Bolsonaro, por que não um homem de bem que se corrompeu e entrou na “vida pública” para FERRAR com a vida de todo mundo?
Como bom homem de bem, Matheus fecha seu texto com um apelo: “Faça parte dessa “corrente patriótica” um instrumento de conscientização e de sensibilização dos nossos representantes eleitos para as Câmaras Municipais, Assembleias Estaduais e Congresso Nacional e, principalmente, para despertar desse “sono egoísta” as autoridades que governam este nosso maravilhoso país, pois eles estão inertes, confortavelmente sentados em suas “fofas” poltronas, de seus luxuosos gabinetes climatizados, nem aí para esse povo brasileiro. Acorda Brasília, acorda Brasil !”
Eu fecho o meu com um apelo também: desenvolvam senso crítico, amigos de Facebook. Questionem o que vocês leem. Parem de compartilhar essas coisas horrorosas. Ou me coloquem em um grupo chamado “Chatas/Chatos Politicamente Corretas/Corretos Sem Senso de Humor” e Personalizem essas suas publicações para que esse grupo não possa vê-las. Peço porque, para mim, bloquear todo mundo que compartilha coisas assim tomaria muito tempo.

Sociedade Burra ou Sistema Torpe? (PARTE I)


Vamos lá. A imagem em questão, que eu precisei reproduzir aqui no blog, vem acompanhada de uma carta que o professor Maurício Girardi mandou para Juremir Machado da Silva, um colunista do Correio do Povo tão reacionário (pelos textos dele que li no portal do R7) que deveria mandar seu currículo para a Veja. O texto está sendo tratado na internet como uma “denúncia da realidade que os professores enfrentam hoje” ou coisa igualmente nobre. Sobre o que é o texto de verdade?
Bem, este senhor professor (de quem não consegui descobrir o Facebook ou nenhuma foto, mas que aparece no quadro de professores da escola em que ele diz que trabalha) mandou a tal carta para denunciar “a violência que é perpetrada contra os professores neste país”. Na verdade, na verdade mesmo, é para se queixar por ter sido denunciado na Polícia Civil por ter constrangido uma adolescente.
A tal menina, a quem ele trata no texto por termos como “aluna-turista” e “mocinha”, é acusada de não ser uma aluna aplicada, não ir às aulas com a frequência que o prof. Maurício acha que deveria e ser arrogante. No caso em questão, a aluna já tinha sido repreendida pelo professor três vezes por “tumultuar a aula” (ele só se esquece de dizer o que a menina fazia) e seu celular tocou, “interrompendo todo um processo de desenvolvimento de uma idéia e prejudicando o andamento da aula”. Então Maurício narra: “Mudei o tom do pedido e aconselhei aquela menina que, se objetivo dela não era o de estudar, então que procurasse outro local, que fizesse um curso à distância ou coisa do gênero, pois ali naquela sala estavam pessoas que queriam aprender' e que o Colégio é um local aonde se vai para estudar.”.
Eu não sei vocês, mas, independente do tom de voz utilizado para dizer uma coisa dessas e ainda mais sendo na frente de um monte de pessoas, considero que um superior dizendo isso a um subordinado é não só constrangimento como abuso de poder. Aliás, só a existência dessa carta já é um constrangimento. Ok, eu não sei quem é a menina, o resto do Brasil não sabe quem é. Mas essa garota sabe que é ela quem está sendo usada como o exemplo de “péssima aluna com quem os pobres professores têm que lidar nos dias de hoje”, os colegas dela sabem disso, os professores dela sabem disso, os... Bem, já deu para entender.
Resta a pergunta: por que o professor Maurício (que, além de professor de física é vice-diretor do colégio em questão, como ele mesmo faz questão de dizer) não retirou a menina de sala na segunda ou na terceira vez em que ela tumultuou sua aula tão importante? Por que ele não conversou com a aluna em particular? Por que não se questiona se ela passava por problemas em casa, por que frequenta tão pouco as aulas? Ao invés disso, como todos os professores ruins que eu tive na minha vida, ele prefere usar seu poder para frisar na frente de toda a turma como desconsidera a presença dela em sala, como prefere que ela sequer frequente as aulas dele, de deixar claro em cada vírgula do seu texto que o importante não é os alunos estarem envolvidos e em troca no processo educacional, mas sim o seu conteúdo “que necessitava de bastante atenção de todos”, muito importante, muito difícil.
E ele é denunciado pela mãe da aluna (que ainda ligou para a escola para avisar que o comportamento do professor teria consequências) à Polícia Civil por constranger uma adolescente, nas palavras dele (acho que o crime deve ter sido “danos morais”).
Ao descobrir isso, o que ele faz? Manda uma carta ao supracitado colunista reaça não explicando que ele sequer gritou com a menina, que os outros alunos estão de prova que ele não a xingou ou para dar sua versão de seus atos. Não, manda uma carta colocando em xeque o comportamento da acusadora, colocando-a no banco de réus no seu lugar; seu comportamento torna-se louvável porque o dela, teoricamente, foi terrível. Essa estratégia soa similar a alguém? A mim lembrou a estratégia dos advogados de estupradores, que, ao invés de construir álibis e tentar tirar o corpo de seus clientes fora, se esforçam para dizer que o sexo foi consensual ou que a vítima “mereceu” o que aconteceu. Alguém merece ser humilhado, ainda mais em situação de impotência, ainda mais por alguém em quem deveria confiar?
Seu texto é finalizado com um dramático apelo: “Sinceramente, acho que é mais um professor que o Estado perde. Tenho outras opções no mercado. Em situações como essa, enxergamos a nossa fragilidade frente ao sistema. Como leitor da tua coluna, e sabendo que abordas com frequência temas relacionados à educação, te peço, encarecidamente, que dediques umas linhas a respeito da violência que é perpetrada contra os professores neste país.”
Sim! Perdemos mais um professor! Um homem de bem que tem seus direitos usurpados pelo sistema misândrico, “racista ao contrário”, “protetor das criancinhas”, maldito em seu “politicamente correto”! Pelo sistema que prende e vitimiza apenas homens brancos, heterossexuais, cristãos, pagadores de impostos!




Texto que deu origem ao meu texto: https://www.facebook.com/photo.php?fbid=325079784195951&set=a.263515097019087.59005.100000817958015&type=1&theater

1 de fev. de 2012

            Em uma reunião de Núcleos de Base (NBs) do Conselho Nacional de Estudantes de Ciências (Conecs), eu e meu NB fizemos uma mística (expressão que se apropriou do MST para o que conheci no meu antigo grupo de teatro como “esquete” ou, no caso, “intervenção”) em que recitamos “Operário em Construção”, de Vinicius de Moraes.
            Breve contexto: no dia anterior (23/01), o Conecs, junto com outras entidades estudantis, trabalhistas e partidárias, fez uma marcha por Fortaleza para protestar contra a remoção da comunidade Pinheirinho ocorrida no fim-de-semana anterior, no estado de São Paulo.
            A partir do poema, da marcha, remoção e de um discurso espontâneo que fiz no segundo sábado do OcupaRio (2011), elaborei um texto que foi lido após o poema. Ei-lo:
            “Foram eleitos, nos últimos dez anos, dois governos que prometiam a diferença, que prometiam estar mais próximos do povo e das lutas dele.
Não foi o que aconteceu.
Os governos federais se aliaram a governos estaduais opressores e compactuam com a criminalização da pobreza, apóiam a limpeza étnica que vem acontecendo no Brasil.
Escolhemos o poema de Vinicius não porque remeta diretamente a Pinheirinho, mas porque o Operário Construído não se resigna em sua dor, não se recolhe em seu choro. Ele encara o opressor nos olhos e diz ‘Não’.
Estamos aqui, todos nós, dizendo ‘Não’ só de participarmos do Conecs, mas não é o bastante. Usemos nossa dor para gritar, para se indignar. Eu não quero murchar em solidariedade, quero desabrochar e quero que minhas cores violentem aqueles que me pisam.
Estamos aqui porque estamos Indignados. Estamos aqui para transformar nosso Luto em Luta.”
NB Indignados