17 de fev. de 2012

Sociedade Burra ou Sistema Torpe? (PARTE I)


Vamos lá. A imagem em questão, que eu precisei reproduzir aqui no blog, vem acompanhada de uma carta que o professor Maurício Girardi mandou para Juremir Machado da Silva, um colunista do Correio do Povo tão reacionário (pelos textos dele que li no portal do R7) que deveria mandar seu currículo para a Veja. O texto está sendo tratado na internet como uma “denúncia da realidade que os professores enfrentam hoje” ou coisa igualmente nobre. Sobre o que é o texto de verdade?
Bem, este senhor professor (de quem não consegui descobrir o Facebook ou nenhuma foto, mas que aparece no quadro de professores da escola em que ele diz que trabalha) mandou a tal carta para denunciar “a violência que é perpetrada contra os professores neste país”. Na verdade, na verdade mesmo, é para se queixar por ter sido denunciado na Polícia Civil por ter constrangido uma adolescente.
A tal menina, a quem ele trata no texto por termos como “aluna-turista” e “mocinha”, é acusada de não ser uma aluna aplicada, não ir às aulas com a frequência que o prof. Maurício acha que deveria e ser arrogante. No caso em questão, a aluna já tinha sido repreendida pelo professor três vezes por “tumultuar a aula” (ele só se esquece de dizer o que a menina fazia) e seu celular tocou, “interrompendo todo um processo de desenvolvimento de uma idéia e prejudicando o andamento da aula”. Então Maurício narra: “Mudei o tom do pedido e aconselhei aquela menina que, se objetivo dela não era o de estudar, então que procurasse outro local, que fizesse um curso à distância ou coisa do gênero, pois ali naquela sala estavam pessoas que queriam aprender' e que o Colégio é um local aonde se vai para estudar.”.
Eu não sei vocês, mas, independente do tom de voz utilizado para dizer uma coisa dessas e ainda mais sendo na frente de um monte de pessoas, considero que um superior dizendo isso a um subordinado é não só constrangimento como abuso de poder. Aliás, só a existência dessa carta já é um constrangimento. Ok, eu não sei quem é a menina, o resto do Brasil não sabe quem é. Mas essa garota sabe que é ela quem está sendo usada como o exemplo de “péssima aluna com quem os pobres professores têm que lidar nos dias de hoje”, os colegas dela sabem disso, os professores dela sabem disso, os... Bem, já deu para entender.
Resta a pergunta: por que o professor Maurício (que, além de professor de física é vice-diretor do colégio em questão, como ele mesmo faz questão de dizer) não retirou a menina de sala na segunda ou na terceira vez em que ela tumultuou sua aula tão importante? Por que ele não conversou com a aluna em particular? Por que não se questiona se ela passava por problemas em casa, por que frequenta tão pouco as aulas? Ao invés disso, como todos os professores ruins que eu tive na minha vida, ele prefere usar seu poder para frisar na frente de toda a turma como desconsidera a presença dela em sala, como prefere que ela sequer frequente as aulas dele, de deixar claro em cada vírgula do seu texto que o importante não é os alunos estarem envolvidos e em troca no processo educacional, mas sim o seu conteúdo “que necessitava de bastante atenção de todos”, muito importante, muito difícil.
E ele é denunciado pela mãe da aluna (que ainda ligou para a escola para avisar que o comportamento do professor teria consequências) à Polícia Civil por constranger uma adolescente, nas palavras dele (acho que o crime deve ter sido “danos morais”).
Ao descobrir isso, o que ele faz? Manda uma carta ao supracitado colunista reaça não explicando que ele sequer gritou com a menina, que os outros alunos estão de prova que ele não a xingou ou para dar sua versão de seus atos. Não, manda uma carta colocando em xeque o comportamento da acusadora, colocando-a no banco de réus no seu lugar; seu comportamento torna-se louvável porque o dela, teoricamente, foi terrível. Essa estratégia soa similar a alguém? A mim lembrou a estratégia dos advogados de estupradores, que, ao invés de construir álibis e tentar tirar o corpo de seus clientes fora, se esforçam para dizer que o sexo foi consensual ou que a vítima “mereceu” o que aconteceu. Alguém merece ser humilhado, ainda mais em situação de impotência, ainda mais por alguém em quem deveria confiar?
Seu texto é finalizado com um dramático apelo: “Sinceramente, acho que é mais um professor que o Estado perde. Tenho outras opções no mercado. Em situações como essa, enxergamos a nossa fragilidade frente ao sistema. Como leitor da tua coluna, e sabendo que abordas com frequência temas relacionados à educação, te peço, encarecidamente, que dediques umas linhas a respeito da violência que é perpetrada contra os professores neste país.”
Sim! Perdemos mais um professor! Um homem de bem que tem seus direitos usurpados pelo sistema misândrico, “racista ao contrário”, “protetor das criancinhas”, maldito em seu “politicamente correto”! Pelo sistema que prende e vitimiza apenas homens brancos, heterossexuais, cristãos, pagadores de impostos!




Texto que deu origem ao meu texto: https://www.facebook.com/photo.php?fbid=325079784195951&set=a.263515097019087.59005.100000817958015&type=1&theater

2 comentários:

  1. É bem isso, mesmo. E ainda chama o que criou de "corrente patriótica", num dos mais nojentos e abjetos atos de reacionarismo ditatorial e egocêntrico que eu já vi. Ridículo.

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  2. Achei particularmente estúpido ele recomendar à menina que saísse do colégio e se matriculasse, por exemplo, num curso à distância. Vejo um pequeno problema nesse sábio conselho. O primeiro é a intensa depreciação dos cursos à distância, colocados como receptáculo de idiotas que não querem nada, quando é exatamente o oposto: quem se matricula nesses cursos, normalmente, são trabalhadores de classes baixas que simplesmente não têm tempo ou dinheiro para frequentar um curso presencial, mas, contra as adversidades, arrumam tempo (entre um, dois ou três empregos) e consegue se formar e melhorar de vida.

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