Sonhei
um Encontro com a presença de dezenas de estudantes com dezenas de visões de
mundo. Sonhei um Encontro com falas incríveis das palestrantes e
problematizações surpreendentes das participantes. Sonhei um Encontro que
contasse com a presença de gente que não está no Movimento Estudantil, que não
está dentro dessa lógica e que não está familiarizada com o debate feminista.
Antes
de falar do Encontro em si, falo um pouco de mim: eu não tenho muito acúmulo
teórico sobre o feminismo. Nem sobre que mundo eu quero no futuro (que vocalizo
dizendo “comunista” e tendo a certeza de quão incipientes são as bases dessa
afirmação). Ainda tenho muito a ler e muito mais a debater. Mas eu estou
(sempre) pronta para um bom debate.
(Sempre) pronta para perguntas que não tinha feito antes e respostas de
quem já leu e ouviu mais do que eu, características que cultivo voluntariamente
e que prezo em outros também.
Infelizmente,
nem todas as (nem tantas) pessoas que se dispuseram a participar do Encontro
gostavam de ouvir discordâncias. A maioria esmagadora de participantes era de
rostos que conheço desse gueto que chamamos Movimento Estudantil. E a maioria
já foi para lá com uma visão pré-concebida de mundo, querendo apenas fazer com
que outros mais a absorvessem também. E as palestrantes? Algumas tiveram falas
boas, algumas tiveram problematizações interessantes, muitas ficaram no raso do
raso, reproduzindo lugares comuns e atestando desconhecimento (do mundo real
mesmo). Cheguei a ouvir na fala de uma delas um causo clássico, de uma vez em
que estava se depilando no salão, sentindo muita dor com a cera, e a depiladora
disse: “E ainda tem gente que acha que as mulheres são o sexo frágil”. É sério
mesmo? Vamos passar horas da nossa vida nos reunindo, organizando um evento,
dizendo para as pessoas que será bom, que será diferente, para ter uma mulher
que vai lá crente que está abafando dizer uma coisa que eu leria na Nova? Que
reproduz lugares-comuns machistas desse nível e ainda quer aplausos no fim?
Para
além disso, me sinto desconfortável em ser a pessoa que fala o tempo todo em
Creche Universitária, não é meu assunto favorito. Mas é um assunto que vejo que
minhas companheiras e meus companheiros não fazem a menor ideia do que estão tratando,
é um dos assuntos que pode dar muito errado se mal conduzido e um assunto que
tenho como dar uma mínima contribuição teórica graças à minha mãe. E tenho que
ficar batendo sempre nas mesmas teclas quando falamos nesse assunto (assim como
sempre tenho que fazer a questão de ordem sobre minha alergia a tabaco em todo
e qualquer espaço do M.E. – mesmo que os presentes sejam sempre as mesmas
pessoas). As pessoas não se convencem de que quando pedimos que a creche universitária
da UFRJ apenas para as mulheres da UFRJ estamos:
a) Reproduzindo a maldita lógica machista de que criança é trabalho de mulher,
b) Esquecendo de que, num geral, quando um homem da UFRJ tem um filho e não tem creche para deixá-lo, não vai deixar de estudar. Vai largar o filho com alguma mulher.
a) Reproduzindo a maldita lógica machista de que criança é trabalho de mulher,
b) Esquecendo de que, num geral, quando um homem da UFRJ tem um filho e não tem creche para deixá-lo, não vai deixar de estudar. Vai largar o filho com alguma mulher.
E ainda
decidimos falar sobre o machismo nas calouradas. Beleza, falamos o óbvio do
óbvio. Como se ninguém soubesse que os nossos trotes são machistas. O que
faltou falar foi de outras tantas práticas machistas da comunidade universitária e da nossa sociedade em geral, faltou (muito) falar foi sobre saúde reprodutiva, faltou (muito) falar de limitação de papeis de gênero e como isso afeta todxs da nossa sociedade.
Ainda bato
com força na tecla que, quando decidimos, em um encontro feminista, separar as
questões ligadas à heteronormatividade de nossa sociedade das que mostram
outras cores do arco-íris erótico humano, reproduzimos a velha lógica de “eles”
e “nós”. Quando não olhamos para nossa sociedade como uma sociedade que
valoriza características ligadas a um único modelo de homem e que exclui todo o
resto, quando não vemos que “o resto” é um só (com múltiplas nuances de
especificidades), temos uma visão fragmentada e parcial da realidade. E não
chegamos muito longe (e nos mantemos na lógica opressora).
Há mais
impressões, que não tenho tão concretamente formuladas na minha cabeça. Coisas boas,
certamente, que aconteceram. Falas que me intrigaram, conversas de corredor que
me animaram. Mas, num geral, ficou um gosto amargo na boca e o sentimento de
que não culpo quem decidiu não participar. Eu mesma não sei muito bem do que
participei.